terça-feira, 7 de julho de 2009

Texas Hold’em e o gandula

Não importa, leitor ou leitora, se você tem, ou não, informações mínimas sobre as regras do Texas Hold’em, a modalidade de pôquer mais praticada no mundo. Ou então se você tem, ou não, um pequeno, médio ou alto nível de conhecimento sobre os desdobramentos do jogo. Não importa. Atente-se apenas para a essência dessa passagem, narrada a seguir, que aconteceu na minha mesa em um torneio on-line.
O jogador X está no UTG, ou seja, é o primeiro a falar em uma mesa de nove pessoas. Pingos de 200-400, ante de 50. O pote, no início da mão, tem, portanto, 1.050 fichas (50 x 9 = 450 + 200 + 400 = 1.050). X dispara 1.600. A mesa roda em fold out (desistência) e o big blind, Y, aquele que colocou 400 antes do início da mão, completa, colocando mais 1.200 fichas. Ambos, àquela altura, estão mais ou menos empatados, com 12.000 fichas (12K) cada.
O flop (as três cartas comunitárias viradas à mesa após a primeira rodada de apostas) traz: A♠, 6♠ e 7♥. Y, agora, é o primeiro a falar. Atira 1.800, deixando o pot com 5.650. X começa a pensar, usa 50 segundos de seu tempo extra e joga suas cartas fora. Y, que tinha o direito de encobri-las, uma vez que seu oponente não o pagou, mostra 8♠8♦.
No chat, X escreve: “I don’t believe. Fold KK” (Eu não acredito, joguei fora um par de rei”). X JOGOU FORA UMA MÃO VENCEDORA. Mas o mais importante é o que vem a seguir.
No chat, Y conta que, há 20 minutos, X tinha apostado três vezes o valor do big blind e mostrou AK (ás/rei). Depois, há 10 minutos, apostou novamente três vezes e mostrou AJ (ás/valete). Quando alterou a aposta, passando para quatro vezes, em uma posição desconfortável (ainda haviam oito para falar depois do movimento de X), Y “leu” (entendeu) que seu adversário tinha um bom par na mão e que, portanto, ele, Y, estava perdendo. Mas pagou, embora apenas um 8, consequentemente a trinca (12,5%), poderia salvá-lo – e, mesmo assim, desde que não “batesse” o K. No entanto, Y “comprou” o ás (fingiu que o tinha). E apostou porque existia um flush draw (projeto de flush, jogo definido por cinco cartas do mesmo naipe) na mesa, com duas cartas de espada. X entendeu o recado. Pensou que Y, de fato, tivesse o ás e teria apostado com receio de que a próxima carta (ainda viriam mais duas, o turn e o river, se as apostas continuassem) fosse de espada. Por isso jogou sua mão, que era vencedora, para bem longe.
Y estava atento aos movimentos de X. E levou as fichas, importantíssimas, naquele momento, com uma mão pior. O blefe funcionou. Mas não de maneira aleatória. Y usou da memória para “ler” seu adversário e chamar a aposta antes do flop. Depois, com o ás, soube usar as cartas comunitárias a seu favor.
Como o Texas Hold’em pode ser um jogo de azar se aquele, X, que estava ganhando a mão jogou suas cartas fora e não ficou com as fichas? Texas Hold’em é um jogo de habilidade em que os fatores sorte ou azar, apesar de muita gente preferir o termo probabilidade, fazem parte.
Outro dia, vi na TV que um atacante, após driblar o goleiro, empurrou a bola para o gol. Mas ela não entrou. O gandula invadiu o campo e bicou. Como manda a regra, o gandula foi expulso e o tento, lógico, não foi validado. Futebol deixou de ser um jogo de habilidade e estratégia por causa desse gandula? Aposto que não.


Rodrigo Brandão é editor-chefe da revista Boemia.
rodrigo@revistaboemia.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário