segunda-feira, 6 de julho de 2009

Michael Jackson morreu, se é que Michael Jackson morre.

(Recebi esse texto do Zezé especialmente para o blog, então segue abaixo)

Por Zezé Brandão.


Ressaltam-se a esquisitice do ídolo, o fato de ter-se tornado branco, as cirurgias que o mutilaram. Gritam as excentricidades, exclamam as aberrações, repercutem a máscara, o ridículo, a caricatura o bebê pendurado na janela, o fio de voz, a enfermeira que nem é mãe das crianças, a insanidade de Neverland, as anestesias para dormir, o pai-patrão, monstruoso e cruel, a infância perdida, a câmara bariátrica.

E do alto da nossa mediocridade consumimos tudo isso com volúpia mórbida, lá no fundo vagamente felizes de que o menino que quis ser branco, que vendeu mais discos do que qualquer artista em todos os tempos, não foi, afinal, feliz. Assim, nossas vidas vulgares, justificamos, são melhores ou pelo menos menos desgraçadas do que a do semi-deus que se vai.

Pura hipocrisia para continuarmos vivendo nossas existências ordinárias. A vida de Michael Jackson, com toda overdose de loucura, infantilidade, esquisofrenia e solidão, deu novo significado às nossas, aceitemos ou não. Invejamos cada milhão que ele ganhou; nos mordemos pela incapacidade não só de criar, mas sequer de reproduzir qualquer passo de dança que ele introduziu em nossos caminhos; odiamos que ele tenha sido inegavelmente um rei nos transformando, a nós e ao mundo inteiro, em vassalos do seu talento, da sua imensa criatividade e da sua insuportável alegria ainda que ele mesmo há tanto tempo não sorrisse.

Estamos hoje enterrando Michael Jackson, se é que Michael Jackson morre. Há uma certa alegria em torno disso um show freak em que ingressos são disputados a mais de dez mil dólares entre cambistas. O frisson fica por conta de que a mediocridade não suporta o maravilhoso, a mesquinhez odeia a generosidade, o micho desdenha do monumental.

Michael Jackson deixa, além de uma obra que fez vibrar cada corda de cada coração dessa pobre humanidade, uma lição: sem loucos, visionários, esquisitos, diferentes, originais, insanos e capazes, consciente ou inconscientemente, de sacrificar a própria vida e a própria felicidade em nome de um mundo mais livre, mais alegre e mais belo, estaríamos condenados à estreiteza, à pequenez, ao insuportável dia-a-dia sem nenhum arco-íris, sem nenhuma promessa de amanhecer. Esqueçamos as diferenças, aceitemos as ousadias, experimentemos a liberdade. E deixemos, enfim, o sol entrar. Descanse em paz Michael, porque você se cansou o suficiente, por mais de 40 anos, sacudindo o torpor de nossas existências sem graça, sem transgressões e sem luz.


Zezé Brandão é publicitário, sócio da Limonada Publicidade e co-autor do livro A Vida Não é Um Limão, A Vida é Uma Limonada.

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