segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Será que a cidade entra nos trilhos?

Por: Zezé Brandão
Sapo de fora não chia. Ou chia? Que me importa, vou chiar – e não quero ter razão, quero apenas ser feliz, ainda que só dizendo o que penso.
Não sei quase nada a respeito da tal retirada dos trilhos da EFA. Não sei se a cidade está mobilizada ou se mobilizando. Não sei se as autoridades municipais estão tratando disso com seriedade ou à la legére. O que eu sei é que talvez nada tão importante tenha acontecido ou esteja para acontecer em Araraquara nos últimos 100 anos. Pode até parecer bobagem que a simples retirada de uns dormentes e alguns quilômetros de ferro possam significar alguma coisa para a cidade. No entanto do que se trata é de uma interferência urbana que poucas cidades experimentarão.
Alguns encaram a presença dos trilhos ali como uma espécie de divisão da cidade em duas. Outras não têm essa impressão. Eu, pessoalmente, nunca pensei no assunto. Mas o que sei é que a retirada significa a agregação de uma área urbana, em pleno centro, simplesmente espantosa. A área é imensa, com total acessibilidade da população a partir de qualquer ponto da cidade. Portanto, o destino que se pode dar a essa área diz respeito a moradores, visitantes, autoridades, sapos de fora e todas as próximas gerações de araraquarenses. Daí a responsabilidade que o assunto mais do que merece, exige, pede, clama.
Na minha ingenuidade de cidadão que deixou a cidade há quase 40 anos, mas jamais cessou de desejar para ela só o melhor, eu sonharia com um concurso internacional entre urbanistas/arquitetos/paisagistas. Que viessem projetos com o frescor de experiências utópicas. Que surgissem propostas práticas estético-culturais nas quais nunca tivéssemos pensado. Que aparecessem idéias exóticas, delirantes, improváveis, inexequíveis. Que nos abrissem a cabeça com soluções que jamais imaginamos.
Não acho que não existam em Araraquara talentos capazes de pensar essa área com imaginação, bom senso e bom gosto. Mas acredito que só uma troca com pessoas que recriaram Barcelona, que ousaram em Buenos Aires, Bilbao, Nova Iorque, Paris e Cingapura, teria a dimensão de dar à area dos trilhos um pensamento urbanístico voltado para o futuro da cidade. Qualquer escritório internacional teria interesse em participar dessa discussão estimulante e rara. E isso contribuiria imensamente para tirar o foco provinciado que a questão corre o risco de se tornar, dando a ela o enfoque merecido e justo de um acontecimento que pode dar ao perfil de Araraquara um contorno contemporâneo e, sobretudo, voltado para o amanhã.

Zezé Brandão é publicitário, sócio da Limonada Publicidade e co-autor do livro A Vida Não é Um Limão, A Vida é Uma Limonada.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Barrichelo, a (baixa) auto-estima do Brasil

Por: Zezé Brandão


Quanto ele vence, vezes que parecem sempre raras, discretamente comemoramos. Nas vezes em que perde, quebra, abandona, é atropelado, não larga ou chega em segundo, e que sempre parece ser todas as vezes, temos a ironia na ponta da língua, a piada pronta, o apelido gozador. Até a mola que atingiu o Massa, veio de onde?

Rubens Barrichelo é a cara do Brasil. Esforçado, cordial, moço de família, imposto goela abaixo a nós todos para substituir o herói, a lenda, o Senna. Não sabendo que era impossível, ele foi lá... e não fez.

A cada vitória temos a impressão de que nos olha com cara de que vocês vão ter que me engolir. E a gente engole. Mas não digere. No fundo, ou nem tão no fundo assim, gostaríamos que ele não tivesse ganho nunca, assim ele não estaria mais na Fórmula 1 e nós não teríamos mais a obrigação, nem secreta, de que ele representasse o país nos pódios do mundo ao som do hino nacional.

Sinto informá-los que o Rubens Barrichelo é o nosso mais lustrado, mais limpinho, mais transparente espelho. O espelho do Brasil.

Por onde olharmos vamos ver sempre, através dele, a imagem da nossa baixíssima auto-estima. Um país que adora rir de si mesmo, olhar para o copo e vê-lo meio vazio, ler as estatísticas e interpretá-las pelo viés do fracasso, da incompetência, do irremediável.

Se o PIB cresce 1,9% no trimestre, vamos compará-lo a algum crescimento do Canadá ou da Malásia, para mostrar que fizemos pouco. Se a produção industrial atinge um certo patamar, vamos buscar algum índice coreano para provar que o Brasil está no caminho errado. Se um filme nacional bate redordes de bilheteria é porque tem elenco da Globo. Se o Obama chama nosso presidente de o cara vamos procurar explicações técnicas na tradução do inglês para demonstrar que não foi exatamente isso o que ele quis dizer. Se conquistamos X medalhas de ouro nas Olimpíadas, lançamos logo mão de estatísticas para concluir por A+B que na relação população-extensão territorial-ouro conquistado, ganhamos menos que o Haiti. E por aí vai num rosário de derrotas como se nosso destino fosse estar sempre por baixo, naquele lugar de onde nunca deveríamos sequer ter tentado sair.

O Barrichelo nos espelha porque ele parece aceitar a derrota, o segundo lugar, a largada queimada, como uma sina que lhe cabe carregar. E a cada pódio que ele sobe, a cada champagne que ele estoura, seu olhar sempre triste nos pede desculpas por, assim, sem querer, sem merecer, sem estar escrito nas estrelas, ter vencido. E nós, do alto da nossa baixa auto-estima, explicamos logo que o Button não estava em seu melhor dia, que a sorte pela chuva ou pela seca ou pelo vento favoreveu o Rubinho, que foi mandinga do Galvão Bueno. Enfim, ok, ele venceu, mas... E a cara de que vocês vão ter que me engolir é só um disfarce, uma pequena vingança de quem, filho, neto e bisneto dessa auto-estima em frangalhos, por um instante pensa ter superado cinco séculos de complexo de vira-lata. Mas é só até o próximo Grande Prêmio quando, unidos, torceremos contra ou procuraremos outra explicação para a inexplicável Deus, que, dizem, é brasileiro, queira que não haja vitória.


Zezé Brandão é publicitário, sócio da Limonada Publicidade e co-autor do livro A Vida Não é Um Limão, A Vida é Uma Limonada.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Lei é seca, mas a Lei, ora a Lei...

Por: Zezé Brandão


Somos, definitivamente, o país do exagero. Exageradamente afetivos, exageradamente técnicos de futebol, exageradamente corruptos, exageradamente sem auto-estima. E de uns tempos para cá, exageradamente aferrados a leis tão severas, tão punitivas, tão completamente legais que nem podem ser cumpridas.

Dados recentes revelam que mais de 80% das pessoas pegas nos arrastões armados pela chamada Lei Seca – essa mesma que proíbe tomar dois copos de chopp e sair dirigindo – saem impunes da acusação de dirigirem embriagadas. Como? Por que?

Simples: a lei antiga dizia – ok, subjetivamente – que dirigir em estado de embriaguez tornava o indivíduo passível de sanções penais (até mesmo condenação por homicídio culposo, se não, doloso). E embora “estado de embriaguez” tenha lá sua dose (várias doses, no caso) de subjetividade, os próprios policiais ou outras testemunhas podiam confirmar o tal estado do infeliz que provocou o acidente.

Já com a nova lei, estabeleceu-se a quantidade de bebida que provoca a irresponsabilidade do motorista: os dois chopps, a dose de uísque, as duas cervejas, as inocentes duas tacinhas de vinho, e por aí. Só que como ninguém é obrigado a se submeter ao bafômetro nem ao exame de sangue, pois ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, quem prova que eu bebi só um uiscão calibrado ou a garrafa toda? Não importa a língua enrolada, o trançar de pernas ou a baba grossa na gravata. Nem mesmo uma vomitada sem querer na cara do guarda pode ser usada como prova de que você passou da conta e, portanto, violou a lei – basta ter-se recusado a passar pelo bafômetro e encolher o braço gritando na delegacia que morre de medo de sangue, e que ninguém vai tirar uma gotinha do seu. Pronto, você sai livre como um passarinho. E trançando as pernas vai dormir em casa o sono dos justos, como se não tivesse atropelado e matado meia dúzia de passageiros que esperavam o ônibus às quatro e meia da manhã.

É a Lei Seca. Seca de bom senso, seca de sabedoria, seca de aplicabilidade. No resumo da ópera, com a nova lei não podemos beber mais do que um copinho ou dois, mas fora a improvável hipótese de você estar bebendo ao lado do guarda que vai autuá-lo, quem vai provar a quantidade exata que nêgo consumiu, a não ser o bafômetro ou o exame de sangue que ninguém é obrigado a fazer?

Enfim, no nosso exagero conseguimos ter a lei anti-álcool no trânsito mais severa do mundo. E também pelo nosso exagero conseguimos que ela não possa ser cumprida – graças a seu exagerado rigor.


Zezé Brandão é publicitário, sócio da Limonada Publicidade e co-autor do livro A Vida Não é Um Limão, A Vida é Uma Limonada.