terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Lei é seca, mas a Lei, ora a Lei...

Por: Zezé Brandão


Somos, definitivamente, o país do exagero. Exageradamente afetivos, exageradamente técnicos de futebol, exageradamente corruptos, exageradamente sem auto-estima. E de uns tempos para cá, exageradamente aferrados a leis tão severas, tão punitivas, tão completamente legais que nem podem ser cumpridas.

Dados recentes revelam que mais de 80% das pessoas pegas nos arrastões armados pela chamada Lei Seca – essa mesma que proíbe tomar dois copos de chopp e sair dirigindo – saem impunes da acusação de dirigirem embriagadas. Como? Por que?

Simples: a lei antiga dizia – ok, subjetivamente – que dirigir em estado de embriaguez tornava o indivíduo passível de sanções penais (até mesmo condenação por homicídio culposo, se não, doloso). E embora “estado de embriaguez” tenha lá sua dose (várias doses, no caso) de subjetividade, os próprios policiais ou outras testemunhas podiam confirmar o tal estado do infeliz que provocou o acidente.

Já com a nova lei, estabeleceu-se a quantidade de bebida que provoca a irresponsabilidade do motorista: os dois chopps, a dose de uísque, as duas cervejas, as inocentes duas tacinhas de vinho, e por aí. Só que como ninguém é obrigado a se submeter ao bafômetro nem ao exame de sangue, pois ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, quem prova que eu bebi só um uiscão calibrado ou a garrafa toda? Não importa a língua enrolada, o trançar de pernas ou a baba grossa na gravata. Nem mesmo uma vomitada sem querer na cara do guarda pode ser usada como prova de que você passou da conta e, portanto, violou a lei – basta ter-se recusado a passar pelo bafômetro e encolher o braço gritando na delegacia que morre de medo de sangue, e que ninguém vai tirar uma gotinha do seu. Pronto, você sai livre como um passarinho. E trançando as pernas vai dormir em casa o sono dos justos, como se não tivesse atropelado e matado meia dúzia de passageiros que esperavam o ônibus às quatro e meia da manhã.

É a Lei Seca. Seca de bom senso, seca de sabedoria, seca de aplicabilidade. No resumo da ópera, com a nova lei não podemos beber mais do que um copinho ou dois, mas fora a improvável hipótese de você estar bebendo ao lado do guarda que vai autuá-lo, quem vai provar a quantidade exata que nêgo consumiu, a não ser o bafômetro ou o exame de sangue que ninguém é obrigado a fazer?

Enfim, no nosso exagero conseguimos ter a lei anti-álcool no trânsito mais severa do mundo. E também pelo nosso exagero conseguimos que ela não possa ser cumprida – graças a seu exagerado rigor.


Zezé Brandão é publicitário, sócio da Limonada Publicidade e co-autor do livro A Vida Não é Um Limão, A Vida é Uma Limonada.


Um comentário:

  1. Zezé
    Seu texto é primoroso. Típico de um bom redator de publicidade. Categoria profissional da qual me orgulho em pertencer.
    Mas seu conhecimento sobre a lei é superficial e, portanto, a conclusão que chegou é completamente equivocada.
    Há dois enquadramentos na LEI SECA. O administrativo (Multa de 957,70 reais + retenção do veículo + suspensão da CNH por 1 ano) e o criminal (tudo isso dito acima e mais cadeia ou pagamento de fiança).
    Para o primeiro caso, a simples recusa não resolve. Se o motorista estiver "limpo" é melhor fazer o teste e provar que não bebeu. Caso contrário, é enquadrado na infração administrativa.
    No caso criminal, caso o agente de trânsito ou policial suspeite do alto teor de contaminação alcoólica ele pode conduzir o motorista à Delegacia e solicitar exames no IML. Os médicos peritos desses institutos podem fazer o exame de sangue ou mesmo exame clínico. Eles têm fé pública e podem atestar o grau de contaminação alóólica que varaiam de leve a grave (passando pela moderada). Em qualquer dos casos, é suficiente para o enquadramento no CRIME DE TRÃNSITO POR DIREÇÃO ALCOOLIZADA.
    Parodiando seu sloga...
    A LEI SECA NÃO É UMA LIMONADA, MAS UMA CAIPIRINHA AMARGA QUE PODE ESTRAGAR SUA FESTA.

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