quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Barrichelo, a (baixa) auto-estima do Brasil

Por: Zezé Brandão


Quanto ele vence, vezes que parecem sempre raras, discretamente comemoramos. Nas vezes em que perde, quebra, abandona, é atropelado, não larga ou chega em segundo, e que sempre parece ser todas as vezes, temos a ironia na ponta da língua, a piada pronta, o apelido gozador. Até a mola que atingiu o Massa, veio de onde?

Rubens Barrichelo é a cara do Brasil. Esforçado, cordial, moço de família, imposto goela abaixo a nós todos para substituir o herói, a lenda, o Senna. Não sabendo que era impossível, ele foi lá... e não fez.

A cada vitória temos a impressão de que nos olha com cara de que vocês vão ter que me engolir. E a gente engole. Mas não digere. No fundo, ou nem tão no fundo assim, gostaríamos que ele não tivesse ganho nunca, assim ele não estaria mais na Fórmula 1 e nós não teríamos mais a obrigação, nem secreta, de que ele representasse o país nos pódios do mundo ao som do hino nacional.

Sinto informá-los que o Rubens Barrichelo é o nosso mais lustrado, mais limpinho, mais transparente espelho. O espelho do Brasil.

Por onde olharmos vamos ver sempre, através dele, a imagem da nossa baixíssima auto-estima. Um país que adora rir de si mesmo, olhar para o copo e vê-lo meio vazio, ler as estatísticas e interpretá-las pelo viés do fracasso, da incompetência, do irremediável.

Se o PIB cresce 1,9% no trimestre, vamos compará-lo a algum crescimento do Canadá ou da Malásia, para mostrar que fizemos pouco. Se a produção industrial atinge um certo patamar, vamos buscar algum índice coreano para provar que o Brasil está no caminho errado. Se um filme nacional bate redordes de bilheteria é porque tem elenco da Globo. Se o Obama chama nosso presidente de o cara vamos procurar explicações técnicas na tradução do inglês para demonstrar que não foi exatamente isso o que ele quis dizer. Se conquistamos X medalhas de ouro nas Olimpíadas, lançamos logo mão de estatísticas para concluir por A+B que na relação população-extensão territorial-ouro conquistado, ganhamos menos que o Haiti. E por aí vai num rosário de derrotas como se nosso destino fosse estar sempre por baixo, naquele lugar de onde nunca deveríamos sequer ter tentado sair.

O Barrichelo nos espelha porque ele parece aceitar a derrota, o segundo lugar, a largada queimada, como uma sina que lhe cabe carregar. E a cada pódio que ele sobe, a cada champagne que ele estoura, seu olhar sempre triste nos pede desculpas por, assim, sem querer, sem merecer, sem estar escrito nas estrelas, ter vencido. E nós, do alto da nossa baixa auto-estima, explicamos logo que o Button não estava em seu melhor dia, que a sorte pela chuva ou pela seca ou pelo vento favoreveu o Rubinho, que foi mandinga do Galvão Bueno. Enfim, ok, ele venceu, mas... E a cara de que vocês vão ter que me engolir é só um disfarce, uma pequena vingança de quem, filho, neto e bisneto dessa auto-estima em frangalhos, por um instante pensa ter superado cinco séculos de complexo de vira-lata. Mas é só até o próximo Grande Prêmio quando, unidos, torceremos contra ou procuraremos outra explicação para a inexplicável Deus, que, dizem, é brasileiro, queira que não haja vitória.


Zezé Brandão é publicitário, sócio da Limonada Publicidade e co-autor do livro A Vida Não é Um Limão, A Vida é Uma Limonada.

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